Saturno e a melancolia na Astrologia

A Melancolia é na astrologia um temperamento, associada ao planeta Saturno e ao elemento Terra. Na concepção antiga este humor é associado a um comportamento soturno, sério, austero, à frieza na forma de lidar com as pessoas, à lentidão, ao perfeccionismo, à uma conduta mais intelectual, sistemática, representando uma pessoa que tem grandes dificuldades para lidar com as mudanças pois o temperamento melancólico parece tornar mais lentos todos os processos, sejam psíquicos, emocionais ou mesmo biológicos.

De acordo com o que diziam os antigos, as pessoas cujo mapa de nascimento denuncia a predominância do temperamento melancólico produzem mais bile negra do que normal. A bile negra seria o fluido saturnino produzido no baço, que ao se espalhar pelo corpo produziria este tipo de temperamento e suas manifestações conseqüentes. Mesmo que o temperamento do nativo não seja melancólico, ter saturno em aspecto com o ascendente ou com a lua no mapa natal pode se refletir como surtos de melancolia que acometem o nativo de tempos em tempos. Na verdade, qualquer pessoa pode eventualmente vivenciar um episódio de melancolia, como conseqüência de algum trânsito de Saturno que retrograde em aspecto tenso com o Ascendente, a Lua ou o Sol do mapa de nascimento.

O temperamento oposto ao melancólico é o Sanguíneo, da natureza de Júpiter e do elemento ar, que representa uma conduta alegre, amistosa, falante, divertida, aventureira, de modo geral representa alguém que tem uma forma “leve” de lidar com as pessoas, embora superficial, enquanto o temperamento melancólico representa alguém que tem ao redor de si um clima mais “pesado”, é um indivíduo mais fechado, mas que é uma pessoa mais confiável e que valoriza mais a profundidade, a densidade em todas as coisas.

Saturno quando está em signos de terra está em signos que tem a sua própria natureza, que já é naturalmente muito fria e seca, ficando então gélido e excessivamente seco nos signos deste elemento. Na astrologia moderna, a triplicidade de saturno é atribuída ao elemento Terra, de acordo com sua natureza. Os antigos pensavam de forma diferente. De fato, para eles saturno realmente tinha a natureza fria e seca do elemento terra, porém, como ele é um planeta maléfico, representando o frio e a secura extrema, ele não fica bem em signos que aumentam essa sua natureza que em si mesma já é considerada hostil. Por isso era atribuída a saturno a triplicidade do Ar, uma vez que saturno posicionado num signo do elemento ar, que é o elemento que representa o temperamento oposto ao temperamento de Saturno, ou seja, o quente e o úmido, então neste elemento Saturno teria seu frio abrandado, sua secura diminuída e seria o tipo de posicionamento mais desejável para este planeta.

Talvez seja esta a fonte da confusão em torno daquilo que se considera como a natureza do elemento ar na astrologia moderna e na astrologia antiga. A descrição que normalmente se faz do ar atualmente considera este elemento como frio, intelectual, distante, atributos que são da natureza da terra, do temperamento melancólico. Normalmente o comportamento alegre, otimista, jovial é atribuído pelos modernos ao elemento fogo, quando esses atributos falam muito mais do elemento ar, do temperamento sanguíneo sob uma perspectiva medieval. O fato de Saturno e mercúrio (planetas de natureza essencialmente melancólica, fria, intelectual, do elemento terra) ficarem bem em signos de ar não significa que esses signos sejam essencialmente da mesma natureza dos planetas que lhes são atribuídos como regentes, significa apenas que eles moderam a natureza essencialmente melancólica de Saturno e mercúrio (este em menor grau).

O entendimento inicial do que seria a melancolia é atribuído ao grego Hipócrates, já por volta do ano 500 antes de Cristo, e foi posteriormente sistematizado por Galeno. Na realidade a teoria dos quatro humores básicos que foi o principal pilar da medicina ocidental durante séculos, é atribuída a Galeno, que por sua vez se referia a Hipócrates. Assim, segundo Hipócrates existem 4 Humores essenciais no corpo humano, produzidos por 4 órgãos específicos e associados a 4 planetas específicos, com as características distintas dos quatro elementos. A Melancolia seria produzida no baço na forma de bile negra, e seria regida por Saturno e associada ao elemento Terra.

“Os melancólicos eram dominados pela bile negra, donde vem o nome desta afecção, melas, negro, e chole, bile. Este humor tem, em sua natureza volátil, a propriedade de causar em seus portadores um comportamento semelhante ao vento de que é composta, ou seja, uma constante inconstância, que não seria desígnio de doença, como naqueles que ela apenas ataca esporadicamente, os deprimidos, e sim por natureza. Esta volubilidade é o que desencadeia a alternância entre os estados passivos e ativos dos melancólicos, entre a inatividade desinteressada, o isolamento dos obscuros, a tristeza sem razão e a aparência sombria e a atividade convulsa, o envolver-se impetuosamente nas mais difíceis e gloriosas empreitadas, o furor criativo e a dedicação compulsiva a algum afazer que os caracteriza como pessoas de exceção, gênios de excelência naquilo a que se dedicam.

Durante a Idade Média a melancolia não é vista somente como desequilíbrio dos humores corporais, mas também como influência maléfica do mais distante dos planetas conhecidos até então, o mais antigo e desgraçado dos deuses do panteão clássico, Saturno. Estes conceitos chegam até a Baixa Idade Média através dos estudos astronômicos dos árabes, que começam a conquistar a Europa através da Península Ibérica, levando não apenas armas, mas também cultura e ciência. A identificação de Saturno com a inconstância melancólica se dá através dos paralelos traçáveis desta com a história do deus dentro da mitologia, ele ora é o senhor de todos os deuses, ora o deus desterrado, exilado e humilhado, a um só tempo pai de todos e deus castrado, impotente. Também seu correspondente na mitologia grega, Cronos, o senhor do tempo, ajuda neste processo. Ele é o deus do tempo, da consumição de tudo o que cria, devora seus filhos, presentifica o não-ser sendo a causa da morte inexorável, evidenciando a vacuidade de toda obra humana, demonstrando que o orgulho de nossa racionalidade não passa da maior das vaidades, e nada vale, pois somos apenas pó, estamos fadados à morte assim como tudo o que existe está condenado a não existir mais, é apenas questão de tempo. A melancolia, em seu estado inativo, é vista pejorativamente, enquanto é identificada com a preguiça, que é pecado capital e vista por alguns como o maior de todos os pecados. A capacidade de criação que ela inculca em seus portadores não é valorizada porque, nesta época, a arte não tem valor estético, mas apenas utilitário, o artista não passa de um canal da manifestação da graça divina, ele é inspirado, e sua obra não precisa ser bela, do ponto de vista da forma, e sim útil quanto ao seu conteúdo. Quanto mais nos aproximamos do fim do Medievo e dos alvores do Renascimento, mais a melancolia vai recuperando seu aspecto qualitativo, conforme tinha na Antiguidade, pois vai despontando a genialidade dos artistas e a capacidade criativa do sujeito por ele mesmo, independente de qualquer estância externa. Assim como a melancolia é colocada ao lado dos santos sob a designação de acedia, que é o desligamento das coisas mundanas e a elevação ao que é espiritual, à contemplação do ser divino, em uma fusão com a divindade que desobriga o corpo de qualquer vínculo com o que for terreno e mundano.

As profundas modificações psicológicas ocasionadas pelo Renascimento trazem a melancolia de volta plenamente imbuída do caráter de excelência e motivo de orgulho em virtude das produções que estimula no campo das artes e da filosofia. A quebra dos antigos paradigmas no campo da fé, pela Reforma Protestante, e no campo do conhecimento, através da Renascença, que davam ao homem todas as respostas, ocasiona a potencialidade da exploração dos limites do intelecto humano em diversos campos. Revolucionam-se as ciências, revolucionam-se as éticas religiosas, revoluciona-se o que o homem pensa dele mesmo e aquilo através do qual ele se define. Mas, simultaneamente a esta efervescência de criações culturais, o ser humano toma a consciência de que está terrivelmente só, e de que é senhor absoluto de seu destino, único árbitro de sua conduta, e este peso é demasiadamente opressor para que ele o carregue sem cambalear novamente entre dois pólos opostos, o furor criativo intercalado pela apatia. Em um primeiro momento, coloca-se o sentido da vida, da própria e de tudo o que há, em uma projeto qualquer, em uma realização ou em um desejo a ser realizado. Uma vez este realizado, esvazia-se de sentido e abandona-nos novamente no deserto da falta de certezas, da multiplicidade de possibilidades e perspectivas.

Na derivação por extensão de sentido, melancolia é um sentimento de vaga e doce tristeza que compraz e favorece o devaneio e a meditação. Entretanto eu prefiro a explicação simples, mas nem um pouco simplória, de Moacir Scliar: Melancolia é, antes de tudo, algo que faz parte da natureza, é uma condição existencial. Diferente da tristeza que é passageira; do tédio, que nos dá a sensação de que o tempo não passa; da depressão, termo moderno para uma condição clínica psicológica associada a fatores psicossociais, a melancolia, antiga companheira da humanidade, é tanto uma doença (como a depressão) como um estado de espírito (como a tristeza e o tédio). O sucesso de livros sobre o assunto, no século XVII na Europa e no começo do século XX no Brasil, são sintomas de grande identificação com o tema.
Porém, como já vimos acima, a melancolia não fica relegada apenas à esfera dos artistas, ela atinge qualquer pessoa. A única diferença é que a “melancolia de artífice ou melancolia de artista, é a melancolia criativa, que aparece nos homens de exceção e que, ao contrário da melancolia apática e desinteressada, vista como doença, faz da angústia o motor propulsor da criação e da genialidade, doando sentido ao absurdo da existência.

Ainda segundo Marsílio Ficino – uma das figuras mais importantes do Renascimento Italiano, conhecido através de seu trabalho de tradutor de obras clássicas e autor – a melancolia, um dom divino e singular, influencia ambiguamente a profunda reflexão e o isolamento, a apatia e o furor criativo, o desinteresse e o brilhantismo intelectual. A saída apontada como paliativo contra as influências maléficas de Saturno era, justamente, se dedicar por inteiro às suas influências benéficas, como a criação artística, a reflexão filosófica, o estudo profundo, pois, apesar de ser o último e mais elevado dos planetas, também é ligado ao desterro nas profundezas do mundo, tanto eleva a alma quanto possibilita que ela mergulhe profundamente em autoreflexão. Portanto, um melancólico não tem outra alternativa senão resignar-se ao seu destino sob os mandos de Saturno, ser excelente e sofrer por isto.” [Janete Fontes]

É interessante se fazer um paralelo com o que é compreendido como melancolia nos tempos modernos, sobretudo do ponto de vista da psicologia e da psiquiatria. Freud estudou intensamente este assunto, caracterizando a Melancolia como um luto conseqüente da perda da libido. De acordo com o próprio Freud aludindo a diversos estudos preexistentes sobre a fenomenologia da melancolia, ”Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. Esse quadro torna-se um pouco mais inteligível quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços são encontrados no luto. A perturbação da auto-estima está ausente no luto; afora isso, porém, as características são as mesmas. (…) O afeto correspondente à melancolia é o luto – ou seja , o desejo de recuperar algo que foi perdido. Assim, na melancolia, deve tratar-se de uma perda – uma perda na vida pulsional.” Segundo Freud, a melancolia se assemelhava ao processo do luto, mas sem haver necessariamente uma perda (senão uma perda narcisista). Pessoas com sintomas de melancolia falam de si próprias como “inúteis”, “incapazes de amar”, “incapazes de fazer algo bem, ou de bom para os outros”, como “irritantes”, com “hábitos chatos”, e outras características onde o eu interior é desvalorizado por afirmações muitas vezes falsas.

É interessante não se confundir os termos quando usados na psicanálise, porque em diferentes autores um mesmo termo tem diferentes acepções, além de existirem diferentes termos que na linguagem corrente seriam sinônimos, mas que expressam coisas essencialmente distintas na linguagem psicanalítica e psicológica.

Na verdade e Melancolia, é considerada na maioria dos autores como um sintoma básico dos quadros depressivos, e não exatamente o quadro de depressão em si mesmo. A depressão, clinicamente chamada de “transtorno depressivo maior” é considerada epidêmica nos dias de hoje, e vai muito além do simples estado melancólico que afeta boa parte da população, já que o estado melancólico limita-se apenas a um estado de desânimo na mente do indivíduo, enquanto que a Depressão seria um estado mórbido que afetaria também os aspectos biológicos, desestruturando completamente a vida da pessoa que é afetada.

Dessa forma, quando se diz na Astrologia que uma pessoa é melancólica, ou que Saturno tem força em seu mapa e que o humor relacionado a melancolia por algum motivo predomina no mapa daquele indivíduo, não se está afirmando que aquela pessoa terá a melancolia na acepção concebida atualmente pela Psicologia ou pela psiquiatria, nem muito menos no sentido patológico atribuído por Hipócrates a mais de 2500 anos atrás quando se constatava o excesso de biles negra. Na astrologia, os quatro humores básicos: cólera, sangue, fleuma e melancolia podem ser entendidos, respectivamente, como o comportamento do “impulsivo”, “o brincalhão”, “o emotivo” e finalmente o “sério”. Pessoas fortemente marcadas por qualquer um desses temperamentos são sujeitas a adquirir um estado crônico de melancolia (depressão menor ou depressão crônica), mas sobretudo os melancólicos e os fleumáticos, pois é nestes em que predomina a qualidade negativa, mas como regra geral qualquer pessoa pode desenvolver tanto a melancolia enquanto depressão menor quanto a depressão maior.

Entretanto, eu sou tentado a associar os quadros de depressão maior, tanto nos que já tem a depressão menor quanto nos que são acometidos subitamente por um quadro de depressão maior, com trânsitos de Saturno, sobretudo quando saturno fica retrógrado num grau sensível do mapa. Neste caso, sensível seria o Ascendente, porque ele fala basicamente do corpo e da personalidade, a Lua, pois reflete as disposições emocionais e instintivas, e o sol, pois representa o ânimo, a vitalidade, a vontade e tudo aquilo que é “central” na vida da pessoa. Vejo isto em minha prática, embora ainda não seja das mais extensas. Quem sabe uma pesquisa em relação a este assunto traga resultados interessantes.