Demorou algum tempo até que a descoberta de Urano fosse aplicada em respectivas interpretações, o que está relacionado também à dificuldade de elaboração de efemérides confiáveis. Um dos protagonistas mais importantes foi o aquarelista e astrólogo amador John Varley (1778-1842), que Patrick Curry chama “magus” astrológico (Curry, 1992, 18-45). Varley estava acostumado a registrar as posições de Urano nos horóscopos interpretados por ele, a observar seus trânsitos e buscar recorrências que pudessem ser generalizadas. Descobriu que sobretudo o contato entre Urano e Marte anunciava frequentemente mudanças súbitas e fortes na vida do nativo. Na manhã de 21 de junho de 1825 – Varley calculara, como todos os dias, suas constelações do dia – pediu ao seu filho Albert que levasse seu relógio de bolso ao relojoeiro, pois não poderia deixar a casa. Às 12, era de se esperar uma explosiva conjunção de aspectos sob a regência de Urano. Pouco antes das doze, sobrevieram-lhe dúvidas sobre se sua interpretação estaria correta; porém, de repente, alguém gritou de fora “fogo”, Varley saiu e viu que um incêndio passara da manufatura de pianos vizinha para a sua casa. Em vez de participar das tentativas de apagar o fogo, Varley sentou-se satisfeito para tomar nota deste acontecimento. Viu todo o seu patrimônio, não segurado, se extinguir em chama; mais tarde o pintor Copley Fielding perguntou-lhe se a perda seria grave. “Não”, respondeu, somente a casa foi reduzida a cinzas. Afinal, eu sabia que algo aconteceria (Curry, 1992, 19).
Urano, a estrela errante
Sabemos que Urano foi descoberto acidentalmente por Hershel no século XVIII e até certo ponto não podemos descartar a importância de tal descoberta, já que aquela foi a primeira ocasião em que Urano foi classificado de acordo com o que ele realmente é: Um planeta, e um dos grandes, menor somente que júpiter e Saturno. Mas aquela certamente não foi a primeira vez que o ser humano vislumbrou Urano.
Você sabia que Urano pode ser visto a olho nu? É verdade! Mas não é fácil intercepta-lo. Em primeiro lugar, existe uma época específica do seu ciclo que permite melhores observações: é quando urano está mais próximo do Sol. Isso acontece quando ele passa por entre os signos de Leão, Virgem e Libra (Ou pelas constelações de Câncer, Leão e Virgem). Mesmo ao passar mais próximo do sol, ele fica visível somente na época da oposição com o Sol, Quando ele está no auge da sua iluminação aparente aqui pra terra. Além disso, tem horário e local específico pra enxergar Urano! Você vai precisar estar num local plano, sem iluminação artificial, de preferência numa noite de lua nova, próximo ao equador, e no horário logo após o por do sol. Como você fará a observação na época da Oposição de urano com o sol, logo após o por do sol você olha para o horizonte leste. Dependendo das condições climáticas ( o tempo tem que estar seco), e se você conhecer muito bem a constelação, conseguirá identificar urano como uma estrela débil, bem fraquinha mesmo. De acordo com alguns astrônomos, chega a ser mais fácil visualiza-lo se você não tentar focalizar diretamente sua posição, através de uma visão mais periférica. Mas pra isso, obviamente, é necessário um bom conhecimento a respeito das estrelas que estarão próximas a Urano. Não tem muita graça afinal.
Com um binóculo ou uma luneta também é possível enxergar Urano em qualquer época do seu ciclo, bastando saber exatamente pra onde olhar, mas ele será somente uma estrela. Pra enxerga-lo realmente como o planeta que ele é, só na base do telescópio.
A questão é que muito antes de Herschel ter descoberto Urano, esse planeta já havia sido visualizado pelos árabes na época medieval. Mas ele era visualizado de forma tão esporádica, que os árabes o entendiam como uma estrela errante, sem importância. Foram poucos os que registraram tal estrela errante.
Então antes de sua descoberta oficial, o título nada honroso de Urano era este: uma mera estrela errante e sem nome, que foi visualizada por poucos. A descoberta de Urano tem algo de análogo com a história da descoberta da América. Somente porque um Europeu o visualizou e catalogou e o compreendeu como planeta, não significa que ele não estivesse ali, ou que ninguém antes o tivesse observado. Da mesma forma, só porque os Europeus descobriram a América no século XV, não significa que ela não estivesse ali, ou que não tivesse sido visitada por outros povos (os vikings por exemplo). Além do que, a vida pulsava na América antes dos europeus, o termo “descoberta” é, portanto de uma profunda arrogância e prepotência. Penso que o mesmo vale pra Urano. Ele não tinha o mesmo nome, não estava posicionado nas mesmas convenções, mas ele já existia, sempre foi visível, só que daquela maneira particular dele de ser: a estrelinha errante.
Tomando consciência disso, não deve ser difícil, nem mesmo pra você que me lê e que acabou de descobrir isso agora, que as atribuições feitas em relação a Urano de certa forma podem ser questionadas. Dá a impressão de que jamais ocorreram revoluções antes da descoberta de Urano. E ainda que a Revolução francesa tenha sido grandiosa, sedições sempre foram comuns e acompanharam a humanidade ao longo do seu desenvolvimento, até Aristóteles escreveu e caracterizou esse tipo de evento. Diversas outras revoluções ocorreram após a Francesa, e até onde eu sei, não há um ritmo que possa ser associado a urano, já que praticamente a cada vez que urano muda de signo algum tipo de revolução eclode em algum canto da terra. O próprio Iluminismo não foi um evento isolado, e a descoberta de urano foi consequência das consequências iluministas. O Iluminismo foi algo crescente cuja origem foi anterior ao século XVIII, e que tomou suas maiores proporções várias décadas antes da descoberta de Urano.
Mas eu sei que não adianta nada eu falar tudo isso que eu disse. A maioria dos astrólogos quer mesmo é se arrepiar com as “incríveis” coincidências. Mas esses arrepios são perigosos, especialmente porque o que entendemos sobre a história de até então pode não passar de uma convenção. Pode, e não pode, na mesma proporção.
Mas óbvio que as atribuições dadas a Urano não vieram do nada. Alguns astrólogos começaram a anotar as posições de Urano nos mapas que eles calculavam, ainda que as efemérides da época não fossem das mais confiáveis. Vou transcrever abaixo mais um trecho do livro História da Astrologia, de Kocku Von Stuckrad:
Eu me dei ao trabalho de abrir o mapa para a data e horário apontados na transcrição acima, data do incêndio e encontrei o seguinte:
Podemos ver um Stelliun em Gêmeos, contendo os 2 maléficos, e uma lua recém ingressa em virgem, em péssimos lençóis, diante da barbárie que vai ter de encarar ao formar quadratura com cada um dos planetas do stelliun. estranhamente, não vemos uma “explosiva conjunção de aspectos sob a regência de Urano” apesar de isso poder representar uma série de coisas. Urano aliás está em 18° de capricórnio e nem participa deste mapa, além de não aspectar o mapa do próprio Varley. Vamos olhar também o mapa de John Varley. Apesar de o horário ser desconhecido, temos a data de nascimento. Veja o mapa abaixo, sem horário:
Agora podemos visualizar de onde Varley tirou suas previsões: Vemos que ele tem Urano em 19° Gêmeos, e uma lua que está em algum local entre 13° e 27° de Gêmeos (não temos horário, então não podemos considerar aquele grau de lua que aparece no mapa). E o stelliun geminiano, que culminava no momento previsto por Varley, realmente estava em conjunção com Urano, mas também com a Lua. E francamente, bastaria uma conjunção de Marte e saturno com a lua pra causar este tipo de evento, mas enfim. Não havia nenhum aspecto exato com Urano do mapa natal. O Urano em trânsito não toca em nada do mapa de Varley. Se essas coisas apontadas são suficientes pra sustentar as conclusões de Varley? Eu vejo isso com um pouco de desconfiança, apesar de saber que isso é o suficiente pra deixar muitos astrólogos satisfeitos e com a consciência tranqüila.
Mas assim foram evoluindo os estudos a respeito de Urano. Na verdade existem poucos registros das buscas por significados de Urano, os estudiosos do século XIX tinham o hábito de aparecer com novos conceitos sem nem ao menos se darem ao trabalho de explicar de onde tiravam tais conceitos. Bastava que o público soubesse que se tratavam de pessoas iluminadas. Mas mesmo correndo de forma tão tortuosa, chegamos aos conceitos amplamente aplicados de Urano nos dias de hoje, que sugerem imprevistos, surpresas, coisas e situações anormais, desvio do padrão.